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Chapada dos Veadeiros: Estágio Primitivo


Panorama da Chapada dos Veadeiros

Ousei esperar muito tempo para, então, percorrer a Chapada dos Veadeiros, mesmo morando no Cerrado, não estando tão distante dela, e tendo ouvido tantos relatos fervorosos sobre aquele espaço. Hoje, presumo que a resposta para essa delonga está compreensível na minha cabeça: a Chapada nos chama no momento exato em que ela percebe que pode nos amparar.


Ir à lugares de ecoturismo sempre será como ter escolhido uma odisséia, ao invés de, meramente viajar. Porque, uma vez lá, você será demandado; instigado a confiar no seu corpo e na sua própria potência. Há o sentimento imperioso de seguir para além do usual, para não só observar como também saber se silenciar para, então, se interligar com uma vida em seu estágio primitivo, com forças que emanam do verde das matas; das águas transparentes e frias; das cachoeiras reluzentes.


Não por acaso, quando retornei, eu passei os olhos em “Sociedade do Cansaço”(2017), de Byung-Chul Han, e, por isso a ida à Chapada ainda me fez mais sentido. Depois do segundo ano pandêmico, aquela peripécia, no Cerrado, foi um tempo necessário para que eu pudesse perceber como andava complicando demais as coisas simples; como eu estava entrando em guerras que não eram e nunca serão, absolutamente, as minhas. Com isso, a intensidade da natureza, a simplicidade local, a generosidade das pessoas, enfim, tudo que se levantava diante de mim, me fazia parar e retomar ao meu velho prumo.


A Chapada dos Veadeiros está lá com todos os seus mitos fundadores; com seu esoterismo; com a promessa de uma sociedade alternativa; com seus ETs que dizem descer de suas naves espaciais em um vasto platô; com as caminhadas de distintas intensidades; com os banhos de cachoeiras margeadas por jerivás; com suas piscinas naturais e de águas mornas; com as cores e nuances de suas rochas; com as araras rompendo o vento sempre aos pares; com os riscos dos incêndios na época da seca; com o perigo das trombas d`àgua na fase das chuvas; com culinária goiana que nutre o ventre desvalido e, com a receptividade afável de um povo que parece viver apartado de todos os reveses profanos que o mundo segue enfatizando.


Nas memórias restam, então, a convivência em família; as pequenas descobertas de Petite e Didier, que encarnaram personagens de grandes desbravadores; o sono restabelecedor, após um dia de intensas maravilhas que nos compele ao cansaço extremo. E, tal como numa colcha de retalhos que unidos por linha e sonho formam um mosaico, essas experiências unificadas me trouxeram à tona novamente.




Houve também a pausa para olhar o passado do Brasil, para aprender sobre as culturas indígenas e quilombolas – numa réplica de tribos e ocas, todas dispostas num mesmo espaço, com as suas representações, simbologias, divindades coexistindo de maneira atemporal. Tudo, enfim, me dizendo: “Ei, aonde você pensa que está indo? O passado fica logo ali. Mas, será que ele se foi mesmo?”.


Retornei da Chapada dos Veadeiros seduzida de maneira ardorosa por ela e pelo Goiás interior que permeia a tudo, e que me traz as recordações de infância, do cheiro da terra quando chove, das flores que nascem espontaneamente em locais tão imperfeitos, das pessoas que vivem esquecidas na singeleza do tempo, sem ritmo frenético, sem problemas insolúveis.



Por isso, quero mais verde rebelde, pedra imponente, vida não reticente, porque a força das águas lavou tudo o que não era imprescindível. A luz do sol queimou todas os pensamentos ruins. A cachoeira arrefeceu as mazelas. E, sobrou apenas aquela pessoa que ouve; que estende a mão; que afaga; que aprende e que ensina, e que só tem tempo para o que é oportuno.




De tempos em tempos, a gente costuma esquecer dessas descobertas, por isso eu as escrevo aqui, que é para que eu mesma possa retornar, reler, e me encontrar de novo e de novo nessa roda da História.




Por fim, a Chapada dos Veadeiros me mostrou que ainda é possível exercitar um olhar contemplativo; aprimorar a escuta, sem tanta hiperatividade. Lá, eu podia simplesmente espreitar, e me recusar a ser interrompida. Por lá, eu queria um tédio profundo, e pude deixar para trás todo esse excesso de positividade.

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