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Mochilão na Baviera

Era abril de 2017 e as férias de primavera já se anunciavam: 15 dias de folga para as crianças, logo, muito esforço para entretê-las. A grande maioria das famílias de Lilliput já havia feito suas reservas e agendados seus passeios com meses de antecedência, enquanto a gente, lá em casa, se entreolhava e se perguntava: o que será de nós? Comprar passagens aéreas para 4 em cima da hora era uma aberração financeira. E, foi aí que começou um tal de “e se a gente rodasse de carro logo ali e depois acolá, e de lá para por aí?”.

Foi com essa despretensão que rodamos por duas semanas na parte sul da Alemanha. Tudo no estilo bem mochilão mesmo, passando no máximo 2 ou 3 noites em cada cidade, jogando tudo no porta-malas do carro e seguindo adiante.

Por questões pessoais e históricas, a Alemanha nunca esteve na minha lista dos países que queria visitar. Estávamos bem assim: eu aqui e ela lá.

Mas, enfim, era o que surgia diante de uma falta de programação prévia. Apareceu diante de mim um roteiro de belos castelos – uns intoxicados de gente e outros às moscas – uma sequência de pequenas cidades verdes e outras cidades grandes, e alguns museus clássicos.

Castelo na Baviera

Castelo na Baviera que inspirou o castelo da Disney

Os parques temáticos de Legoland (por dois dias!) e de Europark ocuparam a cabeça das crianças.

Legoland na Alemanha

A neve caiu em plena primavera! A chuva caiu em plena primavera! A temperatura abaixou muito em plena primavera!

Primavera com neve na Alemanha

E eu entrei sozinha em Dachau (que merece um outro relato que não cabe aqui).

Didier Pai gostou muito de rodar pelas “autoban”. E, por diversas vezes, em que nos defrontávamos com aqueles gigantescos moinhos de energia eólica, ele me perguntava: “Você tirou aquela má impressão que você tinha da Alemanha, não é?”. Eu sorria, afinal, não era prudente contrariar alguém que estava dirigindo à 200km/h. Mas, ninguém acreditava no meu sorriso, então, seguíamos para mais além.

Ao final, eu penso que eu digeri aquela parte da Alemanha, e ela me aturou. No silêncio, foi como um “cessar-fogo”; mas não foi ainda um “acordo de paz”. Afinal, eu passei uns bons anos do doutorado debatendo centenas de vezes documentários como “Noite e Neblina”, “Eichmann em Jerusalém”, e tantos outros, naqueles seminários de sexta à noite que ninguém queria ir. Quem participou de grupo de estudos sobre “As Origens do Totalitarismo” por anos e anos, simplesmente, não adentra a Alemanha e diz: “Oh! How nice to see that you are alive!”. Não, o meu estranhamento não foi embora, e me faz sentir, inclusive, mais humana: olhar tudo aquilo com quem repara bem e, se lembra do passado.

Colocando de lado esse meu viês acadêmico, tenho mais uma constatação muito verdadeira: estilo de viajar “mochilão” não é para crianças, e os pais se lascam de forma vergonhosa e desastrosa, principalmente, se seus filhos tiverem coração e garganta que pulsam. Esse negócio de abre e fecha mala, de dorme num quartinho podrinho, de toma café na esquina, de almoça quando você encontrar a rota certa para o castelo, de toma chuva e fica com a meia molhada no carro, de sua filha dormir no meio do castelo quando você não levou o carrinho e teve que abandonar a visita guiada, pois não aguentava mais segurá-la no colo, de seu filho colocar o pé na lama do lago do palácio, ou de saírem correndo ensandecidos um para cada lado e, tantas outras rompantes que você prefere esquecer – tudo isso – comprova científica e racionalmente que aqueles sites bacaninhas e leves do tipo “eu viajei com minhas 10 crianças pelo deserto de Atualpa do Leste e foi incrível” mentem deslavadamente.

No final da rota, para nossa redenção, fomos à Strasbourg por um dia. Da catedral gótica à vista da Corte Européia de Direitos Humanos (mesmo que por fora, pois era um domingo), tudo foi um clarão azul na minha cabeça. Tão marcante quanto a visita à um trecho da Maginot Line, que continua lá, imperceptível em meio à floresta – silente e fria – mas que segue como uma testemunha valente de mais um dos tantos “what if” da Segunda Guerra Mundial.

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